quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Música do dia 31

não sei mais dizer por que
que eu te falo essas coisas
e qual é a razão
de assim deixar tudo no ar

tornando o leve insustentável
o lábio quente um beijo torpe
um sonho amargo de domingo
ponho o mundo a me crisar

maldito costume meu
que só coloca-me a indagar
o que é que tanto faço
pra de ti me afastar

mais um grito de socorro
e uma noite de insônia
o cheiro forte de tabaco
que o dia jura tragar

é só mais uma rotação
outra estrela a se apagar
o gosto ácido de um sexo
que esse mês vai sufocar

domingo, 1 de dezembro de 2013

Predicados

Sirva-me de predicados que não compreendo

Mostra a alegria do céu do sol
que racha a testa da festa dos padres
e de que nada me serve no fim do dia

Basta de predicados que não querem que eu entenda

Olha a tristeza da água do rio da pedra
que bate na corrente que finda na poça de lama que cria um pobre cristo

Estou cansado desses velhos predicados

Senta um pouco na janela e dá uma lida na vida
que vai pra direita que vai pra esquerda
e que venera o vinho de veneza
e que mais vida pra ela quer

predicados e predicativos por predileção
predizem a vinda de um homenzinho de dedos gordos
a cavocar um pedaço de terra
e mais predicados a procurar
talvez mais livres
talvez mais iguais
ou mais e mais
mais pau pra criar
mais dedos magros a trabalhar
mais-valia mais pra cá do que pra lá

Propedêutica de gorduchos e magrelos,
Melancolia de suados e perfumados,
Alegria de educados e desbocados,
A vida com sal e a vida no sol,
Predicados de rico, predicados de pobre

terça-feira, 23 de julho de 2013

Saṃsāra

The darkest shade of black, a morbid feeling of desperation, yet it somehow turns brown only to end on a hopeful golden angel's light...
And it keeps going down, down, down.

Downwards, spiral of madness
Downwards, primal scream
Downwards, all again, all again

Don't you ever dare running from the nature of your soul's perception, the endless round doors that burns your mind, the untouchable doorknobs craving for flesh, for lust, for something lost, something long forgotten.

And the small and timid gnome gently rubs the door. A beautiful
rainbow of light comes from beneath it, turns into a warm and peaceful
wind, blows your hair, blows it all again...

God... it blows your hair.
- Can I come in?
- Can I touch your heart?

Maybe...

No...

Someday?
Sometime?
Some... how?

Tic... Toc...

As doze badaladas pregam o fim e o recomeço. O ciclo do céu e do inferno, da dor e da alegria, mais uma vez tem início.

- So what should I do?
- Just... smile.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Drowning

E um dia estava eu perdido no bosque, com meus cigarros e minhas drogas e minhas teorias. E no outro dia acordo perdido, envolto em meus pensamentos.

E há essa chama
E há essa chama

Chama azul, chama verde, chama meio morta.
Chama que um dia chamou, chama que um dia clamou, chama que um dia flambou minha alma.

E há essa chama
E há essa chama

Morta

Pois que em meio a mais uma dose da droga da saudade, ao som de King Crimson, aparece uma névoa. Que da fumaça surge o fogo, e do cheiro de nicotina surge uma forte ressaca, feminina, bela, tragando-me pelo seu sorriso.

E há essa chama
Sweet smoke
E há essa chama
Sweet smoke

Que me queima que me chama que me flamba e que proclama:

Suba e viva! O mundo é desse lado, abra os olhos e acenda a tua alma!

Sweet smoke... Sweet smoke

(something in those eyes... Jesus Christ! Please make me stop thinking about them!)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Corvos

- Vamos lutar contra a corrupção!
- Fora esses políticos oportunistas!
- Contra o desvio de dinheiro público na Copa!
- Por um Brasil melhor!

Por um Brasil melhor. E quem não quer um país melhor para se viver? Finalmente o Brasil se levanta, em uma demonstração visceral de repúdio e revolta às instituições vigentes. Mas há algo errado. Onde tudo  começou, de que caminho não podemos nos perder?

Diz a mídia que o povo não aguenta o sistema de governo vigente, que é contra tudo e todos. Logo a mídia que sempre esteve ao lado dos que exploram a população, a mesma golpista de sempre. Algo soa errado. A manipulação sutil e ardilosa dos meios de comunicação burgueses nada mais faz do que dispersar ideologicamente todo o descontentamento dos cidadãos nesse momento. E existem corvos a espreita. Há grupos que estão muito bem pautados ideologicamente, só esperando o momento certo para se apropriarem da situação.

A única maneira de saber o que vem pelo futuro é olhando a própria história. Governos populistas tem o grande problema de despolitizar o povo, e cabeça vazia é oficina do diabo. A suja e traiçoeira direita silenciosamente se aproveita desse vácuo ideológico para para atacar, por velhos e novos meios.

Não basta que o Brasil acorde, ele precisa muito mais do que isso: precisa se politizar, precisa de foco.

O gigante acordou? Não, apenas levantou-se...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Raw

E da visceralidade de dois corpos, da junção de duas almas surge a criatura mais cru, grotesca e bela que existe. Da fagulha que surge do atrito das mentes em comunhão cria-se a trama de um universo tão peculiar, lindo e intenso que de sua natureza nada mais é do que desaparecer.

Por um segundo, por um minuto e por uma hora tal mundo é tão suficiente dentro dele mesmo, porém tão intenso, tão chama, que no próximo instante somente é esperado que se sublime na expressão máxima da natureza humana, na exibição mais gratuita de ferocidade e instintividade que a Terra pode nos oferecer, no auge do orgasmo de dois corpos tudo se finda, tudo se inicia: da ciclicidade dessa situação aprendemos a viver em eterno retorno ao útero do planeta.

E há quem jure que tal universo seja tão eterno quanto for o amor. Pois desse modo esquece que a eternidade nada mais é do que um plano disposto a se destruir, regenerar e nascer novamente a cada instante. Na paixão residem a ferocidade e instinto humano, do amor comportado nada tão cru, belo e intenso pode, infelizmente, surgir.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Fumaça

Em 20XX, Julian e Marie exploram um sótão cheio de memórias de seu tio, Antoine.

- O que é isto?
- Notas, notas de Antoine...

You shall love all creatures, as they seek happiness. Yet you should be compassionate of them all, for their pain will touch your heart as well. Equally. So what do you say to me, now that I'm drowning in this big fake ocean of dreams?
As you go down the stairs, a white lighter pops from your pocket. As you tremble on the street, three cigarettes fall from the sky. As you light them up, two bodies blend midst the smoke. And you start running, and you keep running, until night becomes day, and day becomes night, and the seasons become one.
The mother, the druid and the bard come from the forest. "Why are you rotting here, wandering soul?", "May the soothing sound of this flute heal your pain", "May the heat of a woman's heart take away your emptiness". The druid becomes a wolf. The bard becomes a bird. The mother just lies by your side, she has to take care of her children.
It's time now. Wake up, you cannot destroy your life like this, we are your brothers. The forest has tricks and its mother won't take your pain for real. 
So why does this have to happen? Something has grown inside me, something rotted inside me, something, something...
- O que ele quis dizer com isso? O que faremos com essas folhas?
- Não faço a mínima ideia, jogue na pilha dos papéis que queimaremos.

Pois existe algo que não te contam sobre pessoas que fumam como eu. Estão perdidas, não encontraram seu lugar - são infelizes.

E no meio das cinzas, um trecho insiste em não queimar, da pilha de escombros voa um pedaço de papel - "... keep running ..."

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Inside

A xícara de café preto que oprime não mais turva é do que o movimento que a insanidade faz ao redor de tua mente.
Dentro.
Progressivamente desconectada, nada mais é da beleza de uma nova vida.
Adentro.
- Jean, como te sentes?

Estou feliz, a cada dia vivo mil vidas, a cada hora morro mil mortes, pois corro na crista do galo, em queda livre, em franca ascenção. De que te importas se estou tão distante?

Não te vejo há um segundo.
No entanto já mirei-te  sete vezes.
Espiral sem fim,
desespero rumo ao chão da alma,
a sensação de tornar-se um fractal

Nunca termina
Nunca termina
Nunca acaba
Nunca começa

Adentro
Dentro
Adentro

Daqui não saio.

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Mácula

Um grito perdido às margens do Maine.

Duas irmãs, sem rumo, sozinhas, com laços tão fortes quanto o próprio tecido do universo. Onde estão os homens? Que o suor e o estrogênio mantenham a pátria, o sangue desce pela espada, pinga nos cabelos, escorre pelos seios e finda no ventre. Em seu útero tudo começa, tudo acaba. Assim surge René, sabe-se lá de quem, uma única célula.

Um grito perdido às margens do Maine.

- Vamos irmã, seja forte, tua sina nas mãos deles não é pior que a minha! Nem motivo de tristeza é mais. Eles marcham, nós marchamos, por dentro, por fora, pela pátria, pela França.


Um grito perdido às margens do Maine.

Fluxo divino da carne, a mãe nutre-o, deixa migalhas esperando encontrar o caminho de volta a seu ego. Engano. Não é a única que é impedida de encher seus pulmões. Quem será o pai? Quem será a mãe? Morre uma parte daquelas mulheres. A progenitora gentilmente põe os lábios sobre as orelhas de René. Que os gritos do Maine não alcancem sua mente. De duas metades mortas nasce um ser simbiótico: roxo e alvo ao mesmo tempo, cego e surdo ao mesmo tempo, tão nu e, simultaneamente, com rachaduras tão profundas que não se pode discernir o cerne de sua alma do tom de seus olhos.

Silêncio no Maine.

A criança vê a mórbida massa de homens negros marchando rumo à Angers.

A mulher lembra dos gritos de 1933. 

- O que tem de especial esta criança?
- Não ouve...

Não bastam os troncos do país, não bastam as flores - levam também os frutos e engolem as sementes. Na Wehrmacht havia um homem. Um sorriso sádico e sujo, sem som, perigoso, intimidador. Suas mãos imundas matando a inocência do grão mais indefeso da França. Sua ácida saliva percorrendo o interior da pueril alma. Misturando-se com o sangue de seu único elo na terra. O sangue de Belle-Beille, o sangue de seu útero. 4 anos lentamente desconstruindo sua humanidade.

Agosto de 1944,

Lá vem Patton trazendo a liberdade!

Olhe para o céu, jovem René! Das máculas da guerra e da opressão tu és a estrela ferida que surge do branco, vermelho e azul de tua terra. Tão destruído quanto a bandeira rasgada que teus compatriotas erguem acima de ti, gigantes. Como podem ser tão altos?

- Mas cuidado, a liberdade tem pressa, o general não pode esperar, deve levar as boas novas pelo que lhe couber deste lugar. Cuide-se, garoto!

Com um sorriso tímido, reaprendendo a chorar, o menino lava seus pés em sangue, água e bile, à beira do rio, às margens do Maine.

Semente

A gota que toca seu rosto e escorre pelo gramado da juventude perdida. O vento que uiva, trazendo as sementes da vida, da morte. Simples, complexa, misteriosa. Organismo vivo, coração pulsante. O sangue se esvai pelo seu fígado. Talvez afunde na grama, perca a visão do céu por entre as copas das árvores. Sonhe por um dia a mais, sonhe pela eternidade, retorne ao útero da mãe natureza, chore nos seios da Terra. Só mais um dia, só mais um minuto.

- Acorde!
-  ...
- Você está bem?
- Tive um sonho estranho.
- O que era?
- Não lembro.
- Quer um chá?
- Pode ser, vou sentar ali no sofá.

(Remember those posters that said, "Today is the first day of the rest of your life"?
Well, that's true of everyday but one - the day you die.)

O que eu não daria para poder viver naqueles tempos, tempos inocentes, onde a fé e a luta ensaiavam seus primeiros passos nas mãos de uma juventude sonhadora, quente e irrequieta. Só de mirar os olhos tristes, cinzas e maquinais destes adultos frustrados, ponho-me a imaginar se resta um pouco do arco-íris de ideais de outrora. Oprimido em meio à selva cor de asfalto surge um grito de desespero. Talvez chegue no céu, talvez não chegue, talvez se dissipe no meio do rio de almas penadas rumo à escravidão. Almas? Lutem por elas, essas que minguam esmagadas nas engrenagens, essas como a sua, como a minha, chorando em solidão, tentando agarrar-se às margens do rio antes que a foz, esse sentimento ambíguo, chegue. Ele que é o único ideal que nos move a e ao mesmo tempo que nos consome, o que roerá o âmago de nossa existência. Inútil segurar-se à raiz dos manguezais, nada te tornará anfíbio. 

Ah, tempos.
Um dia tudo isso foi nascente?

Deitado nos séculos, transgressor da ordem natural 
do mundo, enquanto meus pés tocam esse chão
imundo, meus cabelos residem a sete palmos.

Sete anos-luz.

Antoine (...)
✰ 1964 20XX

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Suor

Prepare-se para a viagem. 10 Horas.
- Pois não?
- Não, o ônibus não se atrasou.
- Subi contigo.

(...)

- Desço em São Miguel do Oeste.
- (Tchau...)

(...)

- Venderam passagens a mais.

(Não me julgue!)
(Não olhe para mim, não existo aqui!)


Olhe para a janela, o vapor quente penetra na sua pele, no seus ossos.

Eu sento no topo do penhasco... Em posição fetal vejo o granizo caindo à minha direita, a chuva lentamente corroendo a margem do precipício, os raios que parecem mirar em mim mas não me atingem... Por que não me atingem? Por que o vento passa e não me derruba? Por que passa por mim? Passa, passou, passará? Não sei, não faça-me perguntas difíceis, fico confuso. Sana minha confusão! Dá-me uma resposta! Existe uma resposta? O vento trás nuvens, o vento leva nuvens, esconde o sol, exibe a lua, grita em dor... Sonhei que eras professora de Português. Não consigo conjugar. Esqueci-me. Amo, amei, amava, amaria, amarei? Em meu devaneio ensinavas Matemática. Tentava explicar-me a natureza dos números irracionais. Pobres números, incertos, em eterna crise de identidade, mas não podem sair dali, cavam mais fundo em sua cova a cada passo... Um dia desci do penhasco, fui ver como era lá embaixo. Estranho, aqui parece não haver gravidade, tudo flutua, se aglutina e foge ao toque. Será que é para cá que tudo o que morre vem? Acho que fui sugado por um buraco negro. Imagens, sentimentos, dores, vozes, novas, antigas... Caos. Não posso mais controlar meu corpo, minha mente, vou explodir! Não, não posso explodir, meu corpo se desfez há tempos, meu corpo ficou no penhasco, o vento levou meu corpo. Minha mente já não vive, apenas é uma simbiose com o tempo. Tornei-meparte do vento? Eu falo com o vento, mas o vento não escuta, o vento não vê, o vento só sabe ser vento. Será que o vento pode viajar no tempo? Não. Essa é sua sina, trás escuridão, luz, tempestade, mas nunca o tempo. Fica preso à sua natureza cíclica, corroi enquanto tenta reviver a circunstância em que foi criado. Será que o vento pode converter-se ao jainismo?

Rasga, rasga, rasga, rasga. Leve os pedaços. deixe que o mar trague-os.

...

Iemanjá trás de volta?

- Achei minha poltrona, é a número 16.
- Que horas são?

- Já é hora de o vento te fazer cócegas...