quinta-feira, 6 de junho de 2013

Mácula

Um grito perdido às margens do Maine.

Duas irmãs, sem rumo, sozinhas, com laços tão fortes quanto o próprio tecido do universo. Onde estão os homens? Que o suor e o estrogênio mantenham a pátria, o sangue desce pela espada, pinga nos cabelos, escorre pelos seios e finda no ventre. Em seu útero tudo começa, tudo acaba. Assim surge René, sabe-se lá de quem, uma única célula.

Um grito perdido às margens do Maine.

- Vamos irmã, seja forte, tua sina nas mãos deles não é pior que a minha! Nem motivo de tristeza é mais. Eles marcham, nós marchamos, por dentro, por fora, pela pátria, pela França.


Um grito perdido às margens do Maine.

Fluxo divino da carne, a mãe nutre-o, deixa migalhas esperando encontrar o caminho de volta a seu ego. Engano. Não é a única que é impedida de encher seus pulmões. Quem será o pai? Quem será a mãe? Morre uma parte daquelas mulheres. A progenitora gentilmente põe os lábios sobre as orelhas de René. Que os gritos do Maine não alcancem sua mente. De duas metades mortas nasce um ser simbiótico: roxo e alvo ao mesmo tempo, cego e surdo ao mesmo tempo, tão nu e, simultaneamente, com rachaduras tão profundas que não se pode discernir o cerne de sua alma do tom de seus olhos.

Silêncio no Maine.

A criança vê a mórbida massa de homens negros marchando rumo à Angers.

A mulher lembra dos gritos de 1933. 

- O que tem de especial esta criança?
- Não ouve...

Não bastam os troncos do país, não bastam as flores - levam também os frutos e engolem as sementes. Na Wehrmacht havia um homem. Um sorriso sádico e sujo, sem som, perigoso, intimidador. Suas mãos imundas matando a inocência do grão mais indefeso da França. Sua ácida saliva percorrendo o interior da pueril alma. Misturando-se com o sangue de seu único elo na terra. O sangue de Belle-Beille, o sangue de seu útero. 4 anos lentamente desconstruindo sua humanidade.

Agosto de 1944,

Lá vem Patton trazendo a liberdade!

Olhe para o céu, jovem René! Das máculas da guerra e da opressão tu és a estrela ferida que surge do branco, vermelho e azul de tua terra. Tão destruído quanto a bandeira rasgada que teus compatriotas erguem acima de ti, gigantes. Como podem ser tão altos?

- Mas cuidado, a liberdade tem pressa, o general não pode esperar, deve levar as boas novas pelo que lhe couber deste lugar. Cuide-se, garoto!

Com um sorriso tímido, reaprendendo a chorar, o menino lava seus pés em sangue, água e bile, à beira do rio, às margens do Maine.

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